“Precisamos chamar e ouvir os proprietários”
Nuno Fidalgo, presidente da ASPAFLOBAL, aponta desafios para a recuperação da floresta no Barlavento Algarvio.
“O problema da floresta não está nos que estão lá; está nos que a abandonaram. E parece que estamos a incentivar ainda mais abandonos.” As palavras são de Nuno Fidalgo, presidente da ASPAFLOBAL – Associação dos Produtores Florestais do Barlavento Algarvio, explicando que um dos maiores desafios da sua associação “é chamar os proprietários, que são os principais atores do território”, para depois se proceder às mudanças necessárias.
A Resolução do Conselho de Ministros 50/2020, que “diabolizou o eucalipto”, criou um problema para os produtores florestais do Barlavento Algarvio. “O que está a acontecer é o abandono do território”, sublinha Nuno Fidalgo.
“Estamos a cometer os mesmos erros e a decidir de cima (de Lisboa) para baixo, sem perceber em que condições os proprietários estão dispostos a voltar a investir e a gerir o seu património”, prossegue Nuno Fidalgo, apesar de considerar positivas as medidas tendentes ao emparcelamento que têm sido adotadas nos últimos anos.
“Seria muito importante evitar que um terreno tenha 7, 10 ou 20 herdeiros, porque se torna ingerível e com grande probabilidade de ser abandonado. Mas não podemos, por outro lado, estar a impor exigências incomportáveis a quem trabalha a floresta e se sente algo discriminado por estas recentes iniciativas legais que podem conduzir ao abandono desta atividade”, acrescenta o líder da ASPAFLOBAL, referindo-se, por exemplo, à imposição da retirada de sobrantes de áreas suscetíveis à desertificação dos solos.
Conciliar produtividade e recursos naturais
Associação de produtores com ações de promoção e proteção do património florestal da região algarvia desde 1985, e estatuto de utilidade pública desde 2010, a ASPAFLOBAL sempre procurou conciliar a produtividade com a perenidade dos seus recursos naturais, pois “a floresta do barlavento algarvio também é sobreirais, medronhais, pinhais, entre outros”, recorda Nuno Fidalgo.
Sublinhando a crescente dificuldade do trabalho associativo em todo o país, o dirigente reconhece o valor da intervenção das autarquias nestes últimos anos, que, “de forma diferenciada e dentro das suas limitações financeiras e legais, têm tentado proteger os seus territórios e substituir-se aos proprietários ausentes e até ao Governo, mesmo em coisas que parecem tão simples como a extensão rural”.
Também destaca a ação municipal na prevenção dos incêndios. “Em muitos dos projetos estruturantes e de proteção das populações, só podemos concorrer a fundos após a devida autorização de todos os proprietários, que, nalguns casos, são milhares. Já as autarquias têm a possibilidade de intervir apenas com edital”, refere Nuno Fidalgo, destacando ainda o papel “muito meritório” dos caçadores neste âmbito da prevenção, através “das sementeiras e limpeza dos locais de alimentação e refúgio dos animais. São exemplos que contribuem para uma paisagem mais resiliente aos incêndios”.
Uma fonte de condicionamentos
Problema difícil para os produtores florestais do Barlavento Algarvio é a Resolução do Conselho de Ministros 50/2020, que “diabolizou o eucalipto”. Em vez do pretendido Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem das Serras de Monchique e Silves, “o que está a acontecer é o abandono do território”, refere Nuno Fidalgo.
“O reordenamento tornou-se uma fonte de condicionamentos e o referido financiamento para reconversão tarda, com várias reprovações para reconverter áreas de eucaliptos, inclusive com redução de área desta espécie em benefício de outras espécies autóctones. É obvio que os profissionais do setor florestal também não pretendem a continuidade do ‘mau eucalipto’, pois existem vários hectares com povoamentos plantados há mais de 40 anos, já sem capacidade produtiva”, lamenta o presidente da ASPAFLOBAL, reconhecendo a necessidade de gerir a paisagem e criar descontinuidades.
“Estamos a cometer os mesmos erros e a decidir de cima (de Lisboa) para baixo, sem perceber em que condições os proprietários estão dispostos a voltar a investir e a gerir o seu património”, avisa o presidente da ASPAFLOBAL.
“As áreas próximas de povoações, de infraestruturas urbanas ou onde existam afloramentos rochosos não devem ser de eucalipto, devendo ser procurados outros usos, evitando os conflitos urbano/florestais ligados à exploração florestal e permitindo a criação de mosaicos”, reconhece Nuno Fidalgo, acrescentando que “para isso, são necessários apoios, que, até agora, não passam de soluções muito burocráticas, limitativas ou até inexistentes. A Resolução 50/2020 prometia soluções a curto prazo, mas a verdade é que pouco saiu do papel.”
O problema não está na espécie florestal
“O eucalipto, em Monchique, é sustentável. Ao contrário do mito popular, o eucalipto não esgota nada. Se o fizesse, a indústria não continuava a reinvestir nos mesmos locais. Qual seria a lógica de esgotar o sustento do seu rendimento, que é o solo fértil?” questiona Nuno Fidalgo, ciente de que esta espécie é essencial para a economia da região.
Quanto a outro mito – no eucaliptal não nasce mais nada –, o dirigente tem a explicação: “É porque a vegetação é controlada regularmente nos terrenos geridos, como forma de proteger o investimento. Os povoamentos sem gestão ativa, seja de que espécie forem, têm todo o tipo de vegetação e, esses sim, podem potenciar os incêndios. Em 2018, vimos o fogo a parar em alguns eucaliptais geridos, enquanto sobreiros, consideradas ‘árvores bombeiras’, ficaram totalmente carbonizadas. E no incêndio de Castro Marim, em 2021, praticamente não existiam eucaliptos. De facto, temos um problema de gestão e não de espécie.”
Em Monchique, o coração da floresta de produção algarvia, a média do rendimento anual gerado pela floresta com lenho e cortiça era cerca de 8 milhões de euros até 2018, ano do grande incêndio. Agora, a ASPAFLOBAL estima que ande pela metade, mesmo sem contabilizar serviços associados (reconversões, limpezas, desbastes, etc.), em grande parte fornecidos por empresas locais.