Boas práticas na reflorestação de Alcobaça e Nazaré
Pinheiro-bravo, e cada vez mais pinheiro-manso, estão a reflorestar a zona devastada pelo incêndio de 2017 no distrito de Leiria.
Percorrendo a Estrada Nacional 242, que liga Leiria a São Martinho do Porto, a área florestal que se estende até ao mar nos concelhos de Alcobaça e Nazaré é constituída por mais de 80% de pinhal bravo. A mancha verde cresceu seguindo o exemplo do emblemático Pinhal de Leiria, que confina a norte, plantado nos séculos XII e XIV para travar o avanço das dunas e proteger os terrenos agrícolas. Mas o dia 15 de outubro de 2017 colocou à prova a resiliência desta floresta e dos proprietários da região.
“O fogo iniciou-se no limite do concelho da Nazaré e o vento era tanto que foi impossível segurar o primeiro foco de incêndio. Queimou cerca de 80% da Mata de Leiria e cerca de 3 800 hectares de matas privadas” na zona sob a alçada da Associação de Produtores Florestais dos Concelhos de Alcobaça e Nazaré (APFCAN). A recordação é de Marco Mendes, técnico florestal desta entidade, enquanto aponta para uma zona ardida de cerca de 330 hectares municipais, onde as equipas de sapadores florestais da APFCAN têm estado a fazer intervenções nos últimos três anos, incluindo a plantação de pinheiro-bravo.
Nas áreas que tinham povoamentos jovens de pinheiro e, por isso, pouca pinha no solo, a regeneração natural não aconteceu e “muitos proprietários desanimaram”, admite o técnico, mas o investimento na plantação de pinheiro está a ressurgir a pouco e pouco. “Costumo dizer aos nossos associados: quem hoje tiver pinhal bravo que o guarde bem, porque vai valer muito dinheiro, devido à diminuição da produção nacional”, acrescenta.
A única vegetação que recuperou mais depressa foram pequenas zonas de eucalipto que já existiam. “Algumas até foram poupadas pelo fogo, parece que ele as rodeou”, conta Marco Mendes, sem uma explicação para o facto. Esta espécie é minoritária na região, junto ao mar, e cresce mais na zona do interior do concelho, onde os solos são melhores. No entanto, Marco Mendes mostra o exemplo de uma instalação de pinheiro-bravo com quase 30 anos, que convive ao lado de outra propriedade onde foi plantado eucalipto há cerca de dez anos, em Pataias, concelho de Alcobaça, num solo de areia.
A associação acompanha ambos os proprietários e ajuda a “definir as ações que devem executar ao longo da vida dos povoamentos”, refere o engenheiro florestal. “Se não fosse pinhal-bravo, dificilmente haveria aqui outra coisa. Já temos é algumas centenas de anos de plantação, o que permitiu a pouco e pouco enriquecer o solo e, agora, plantar eucalipto”, ainda que com produtividade mais baixa que noutros sítios.
Certificação e boas práticas
Estas duas propriedades, com cerca de 60 hectares de pinheiro-bravo e 20 de eucalipto, não são representativas da região, onde existe uma área média de 1,89 hectares, lamenta Marco Mendes. Estes grandes povoamentos alinhados permitem intervenções mecanizadas e com menos custos, mas todos, independentemente da dimensão, usufruem das boas práticas que a APFCAN dinamiza. A associação criou, por exemplo, um grupo de certificação florestal, em 2017, com o apoio da The Navigator Company, e já tem 611 aderentes ativos, com cerca de 4 800 hectares, sendo 53% eucalipto, 34% pinheiro-bravo, 6% pinheiro-manso, 2% sobreiro, e o restante ocupado por outras folhosas e matos. Apesar de a madeira certificada ser mais valorizada pela fileira do eucalipto, Marco Mendes considera que existem já na zona algumas indústrias que valorizam também a madeira de pinho certificado, para aglomerados e paletes, por exemplo.
Do seu lado, a APFCAN está sempre atenta a todo o tipo de projetos de melhoria da floresta. Desde 2007 constituíram quatro Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) e fizeram trabalhos nesse âmbito que lhes deram alguma “visibilidade na região”. Instalaram vários mosaicos de gestão de combustíveis para defesa da floresta contra incêndios, com operações de controle da vegetação espontânea e de diminuição da densidade do arvoredo, com o objetivo de não haver uma carga vertical e horizontal, e construíram um ponto de água para abastecimento de meios aéreos de combate aos incêndios, na freguesia da Benedita.
Neste pinhal bravo e noutros, têm armadilhas com feromonas para captura dos insetos vetores do nemátodo (uma doença sob controlo na região) e de escolitídeos, insetos que são atraídos pelos incêndios e, por isso, surgiram em grande número nos dois anos que se seguiram aos acontecimentos de 2017. O povoamento está também preparado para começar daqui a poucos anos a ter atividade de resinagem, uma atividade que está a renascer na região.
Também há na zona uma aposta cada vez maior em pinheiro-manso. “Com as alterações climáticas temos anos cada vez mais quentes e o pinheiro-manso agradece. Vai ser uma espécie interessante nos próximos anos, com a rentabilidade do pinhão”, admite Marco Mendes. Há cerca de sete anos que a APFCAN realiza a enxertia do pinheiro-manso, que permite antecipar a produção de pinhas com interesse económico dos habituais 20 anos para oito a 12 anos.
A ciência ao serviço da produtividade está também patente noutros dois projetos da associação, numa propriedade de 600 hectares que ficou 80% destruída em 2017. Como o pinhal era novo e não houve muita regeneração, o proprietário iniciou há cerca de um ano o processo de plantação. Originalmente, queria colocar apenas pinheiro-manso, mas a APFCAN apresentou outra proposta: fazer um pinhal misto de pinheiro-manso e pinheiro-bravo, que permitisse, daqui a 15 ou 20 anos, obter uma receita com o corte do bravo, deixando já o compasso desejado para o crescimento das copas do manso. O ideal são 200 a 280 árvores por hectare.
A associação está também a realizar, na mesma exploração, um teste com plantas normais (algumas selecionadas, da Mata do Escaroupim) e melhoradas de pinheiro-bravo. As segundas foram compradas em França, porque em Portugal não existe uma tradição de pinheiro melhorado, e garantem um aumento de crescimento de 20 a 30% em relação a um pinheiro normal. Foram plantadas cerca de 10 mil plantas em fevereiro e os primeiros resultados devem surgir na próxima primavera. Daí será selecionada a planta que deverá ocupar o resto da propriedade. Ao nível do eucalipto, os proprietários têm também aderido à planta melhorada, esta produzida em Portugal, com um “acompanhamento técnico especializado muito importante, na escolha da planta mais adequada para cada propriedade”, por parte do Programa Premium da The Navigator Company, refere Marco Mendes.
Nota: Artigo publicado originalmente na revista n.º 9, de julho de 2022, que pode descarregar e ler na íntegra em https://www.produtoresflorestais.pt/quero-receber-a-edicao-da-revista-em-papel/.