Maior rentabilidade com sistemas florestais mistos
As sinergias das atividades agroflorestal e pecuária permitem disponibilidade financeira para investir na gestão da fertilidade do solo.
“Não percebo por que razão não há mais sistemas mistos de silvopastorícia neste país”, diz Mário Carvalho, professor catedrático reformado e, atualmente, consultor na área da agricultura de conservação e da fertilidade do solo. “Os sistemas silvopastoris que conhecemos são o montado com sobro, azinho e pinheiro-manso, e o souto, mas não vejo nenhuma razão para não termos espécies como o eucalipto em sistemas abertos com silvopastorícia”, afirma.
A estratégia de ter áreas envolventes à floresta dedicadas à pecuária vai, na opinião deste especialista, muito além da redução do risco de incêndio. Ainda assim, considera que “o problema da intensidade dos fogos nas Beiras foi o desaparecimento da pastorícia”. A solução é “criar sistemas pecuários que sejam rentáveis, e isso significa apostar na qualidade da pastagem. Quando o animal come do chão, mesmo numa pastagem que teve investimento, no máximo o alimento custa um cêntimo por quilo de matéria seca, ou menos. O alimento conservado dado aos animais não custa menos de 8 cêntimos e, nalguns casos, chega aos 18 cêntimos, mais os custos de distribuição”, defende Mário Carvalho.
Tornando a pecuária um rendimento atrativo, “pode ser mais rentável ter uma floresta mais aberta com pecuária, do que uma floresta mais densa que está sempre a arder. Numa pastagem vigorosa com animais presentes, o mato, como estevas e sargaços, desaparece de vez. Há muitas sinergias e os dois sistemas juntos permitem disponibilidade financeira para investir no que é fundamental – a gestão da fertilidade do solo”. Perante as alterações climáticas, esta permite, por exemplo, reduzir as perdas de água por escorrimento e iniciar uma acumulação de matéria orgânica no solo que aumenta o armazenamento da água útil.
Investimento na correção dos solos
Mário Carvalho explica que a maioria dos solos nacionais tem níveis relativamente altos de manganês e baixos de magnésio, e que este desequilíbrio dá origem a uma toxicidade de manganês que, do ponto de vista da vegetação, é evidente na composição florística. “A toxicidade é menos acentuada debaixo da árvore, onde há mais matéria orgânica, o pH é ligeiramente superior, e o teor de magnésio é maior, porque é reciclado pela árvore. Isto permite o aparecimento de outras espécies. As pessoas vão acreditando que é um efeito da temperatura, mas é completamente falso. Quando não há problemas de fertilidade do solo, o que a copa pode provocar é uma diferença no tamanho das plantas”, acrescenta.
É mais fácil convencer os proprietários a investir em processos de correção dos solos quando existe uma componente pecuária, afirma o especialista, “porque para a pecuária já temos contas que mostram que isto não é uma despesa, é um investimento que se paga a muito curto prazo. Quando não têm gado, os investimentos no sistema florestal têm um retorno a longo prazo”.
Um dos melhores exemplos de investimento na correção de solos para criar pastagens eficientes numa propriedade com atividade silvopastoril que testemunhou é o da Herdade da Abegoaria, situada entre Vendas Novas e Canhas. A intervenção começou há cerca de dez anos. O montado estava em declínio e a produção de pinha também. “O proprietário tinha gado, que funcionava como sapador, mas a componente pecuária do sistema dava-lhe prejuízo, porque tinha de suplementar o gado à mão quase o ano todo”, recorda Mário Carvalho.
A correção começou com a distribuição de calcário dolomítico no solo (para aumentar o pH e a disponibilidade de magnésio) e de fósforo, e, entretanto, substituíram-nos por lamas e cinzas das fábricas de celulose. “A melhoria da pastagem foi imensa. A componente pecuária passou a dar lucro, a produção de pinha tem vindo a melhorar e, principalmente, os sobreiros deixaram de morrer”, esclarece.
Noutra propriedade, que pertence à The Navigator Company, em Ulme (Chamusca), estas vantagens foram testadas com a criação de uma pastagem na bordadura do eucaliptal, em que uma parte do solo foi corrigida e outra não. “O eucalipto é uma espécie muito tolerante ao manganês, em termos de crescimento, e a Navigator tem usado cinzas em alguns eucaliptais com resultados positivos na fertilidade do solo”, conta Mário Carvalho.
Para este especialista, o eucalipto pode mesmo ajudar a reflorestar as zonas onde o montado se perdeu, devido à doença. “Estas áreas terão de passar por um período de vazio sanitário, de forma a poder reintroduzir outra vez as espécies nativas. Uma possibilidade que eu vejo, porque tem um período de retorno relativamente curto, é substituí-las por uma plantação muito aberta de eucalipto, que permita o corte, e, depois de haver o vazio sanitário, podia reintroduzir-se o sobreiro e a azinheira.”
O fundamental, para Mário Carvalho, é implementar sistemas florestais mistos, que protegem a floresta de acidentes biológicos e climáticos, mas também das flutuações do mercado: “neste momento, por exemplo, o preço da cortiça está muito baixo, e quem vive só disso tem mais esse risco associado”.
Vantagens dos sistemas silvopastoris
- Redução do risco de incêndios rurais (animais servem como sapadores de combustíveis);
- Melhoria da sustentabilidade económica do sistema (pastorícia dá retorno a mais curto prazo);
- Maior presença humana no território durante o ano todo (mais vigilância das áreas florestais e combate ao abandono rural);
- Melhoria da fertilidade do solo (mais saúde da componente arbórea do sistema e da sobrevivência do renovo);
- Desaparecimento permanente do mato (menos custos e eliminação das desvantagens da gradagem).