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A sustentabilidade da matéria-prima florestal

Fórum de Sustentabilidade da The Navigator Company debateu os desafios colocados ao desenvolvimento dos negócios da fileira florestal.

A 16ª sessão do Fórum de Sustentabilidade da Navigator debateu a Sustentabilidade da Matéria-prima Florestal”, um tema vital para as empresas da fileira, do qual depende a continuidade do negócio.

Na abertura do encontro, Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, defendeu a necessidade de “retirar as limitações acientíficas à plantação de eucalipto em Portugal”, já que “não há sustentabilidade ambiental e social se não houver sustentabilidade económica. O que há é abandono, é desertificação, é incêndios”.

Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal

Bernard Lombard, diretor de Trade & Industrial Policy na Cepi, a associação das indústrias europeias da pasta e papel, fez uma intervenção sobre “Tendências no mundo global das matérias-primas”, na qual abordou a influência da conjuntura económica, das condições climatéricas e das políticas públicas na atual situação de alta de preços, com impacto na atividade industrial. É o caso também da madeira, cujo preço registou um aumento exponencial nos últimos meses, a nível mundial.

Bernard Lombard, diretor de Trade & Industrial Policy na Cepi

Uma situação que João Cordeiro, responsável de Global Business Sector Pulp & Paper na empresa AFRY, atribuiu à procura crescente de madeira, sobretudo de origem sustentável, ao mesmo tempo que a oferta é limitada. Segundo os dados que apresentou, em 2022 o mundo consumiu 3,9 mil milhões de metros cúbicos de madeira, com o setor de celulose e pasta a representar cerca de 780 milhões de metros cúbicos, que compara com 450 milhões em 1980. As previsões, disse, anunciam que a tendência de crescimento se vai manter e o setor atingirá, em 2035, um consumo de 946 milhões de metros cúbicos de madeira, com uma procura exponencial de fibras curtas, sobretudo de lenhosas, como eucalipto e acácia (esta última produzida em países como o Vietname, a Indonésia e a Austrália), nos próximos 15 anos. No reverso da medalha, a disponibilidade de madeira não tem acompanhado a procura. Outro aspeto que afeta o setor P&P (Pasta e Papel) prende-se com o aumento dos preços da madeira, que se deverá manter.

João Cordeiro, responsável de Global Business Sector Pulp & Paper na AFRY

Desafios em Portugal

Os desafios que se colocam ao desenvolvimento sustentado dos negócios foram discutidos no primeiro painel do Fórum, dedicado ao tema “Fibra florestal: Riscos e oportunidades no contexto nacional”, começando pela falta de reconhecimento do papel da fileira na sustentabilidade nacional, apesar de contar com empresas líderes nesta área, como a The Navigator Company, a Altri, a Corticeira Amorim e a Sonae Arauco.

Para António Redondo, CEO da Navigator, existe um défice de perceção nacional “nos públicos urbanos e nos políticos que governam para os públicos urbanos”. Já a nível internacional, as marcas portuguesas de produtos de base florestal são muito valorizadas e reconhecidas. O CEO da Altri, José Soares de Pina, reforçou que a indústria da pasta e papel, atualmente, “compete com o melhor que se faz no mundo” e tem índices de sustentabilidade “que são referência em termos mundiais”, quer seja “ao nível dos consumos de água e de energia renovável, quer seja ao nível das emissões de carbono”.

José Soares de Pina considerou que o setor do eucalipto, apesar dos muitos anos de história na indústria da pasta e papel, não respondeu de forma proativa aos mitos que se foram criando e que se traduziram numa limitação à plantação desta espécie. “As práticas atuais da indústria não são as mesmas e a forma como estamos a inovar e investir em novos produtos não é a mesma, e há algum desconhecimento de quão crítica é a sua importância económica. Foi desenvolvida uma Estratégia Europeia para a Floresta que, essencialmente, se foca no sumidouro de carbono e na biodiversidade, e omite por completo a componente económica das florestas.” Com a consciência de que se trata de uma indústria com uma base muito sustentável e com potencial para crescer, “o grande desafio”, refere, é haver suficiente matéria-prima.

Até a fileira da cortiça, que, nas palavras de António Rios de Amorim, CEO da Corticeira Amorim, “tem um capital de confiança do público”, se debate com a escassez de matéria-prima. Neste caso, o problema estrutural está na “perda de densidade, que torna a floresta de sobreiro menos rentável. A cada ciclo de nove anos perdemos 10 a 12 e até 15% de produção, devido ao envelhecimento dos montados, à pressão climática, a alguma pressão urbanística e a pragas e doenças. Pelo que urge encontrar novos modelos que reforcem a rentabilidade”, refere o responsável.

A falta de madeira é também uma realidade na fileira do pinho, ao mesmo tempo que esta tem conseguido atrair algum investimento, como é o caso da fábrica da IKEA em Paços de Ferreira, que usa matéria-prima portuguesa. Na opinião de Rui Correia, CEO da Sonae Arauco, uma das razões do problema encontra-se no facto de “termos um ativo fantástico, renovável, mas as pessoas não o verem como um recurso”. Para este gestor, é necessário “discutir como é que podemos criar riqueza para os nossos filhos e netos ficarem cá e se realizarem profissionalmente”.

Entre as soluções para os constrangimentos, o CEO da Altri referiu que estão a ser considerados projetos de deslocação da produção para o estrangeiro. O CEO da Corticeira Amorim falou em deixar de produzir em segmentos com menor valor acrescentado. E o CEO da Sonae Arauco afirmou que utilizam já 65% de material reciclado e estão à procura de espécies de pinho que permitam ter mais produtividade a um preço competitivo.

O CEO da Navigator, por seu lado, recordou que foram apresentadas ao governo várias sugestões, como “registar os contratos de compra e venda de madeira, para dar segurança a quem compra e a quem vende; separar, em termos de registo, o ativo biológico – as árvores ­– do ativo terra, para as pessoas poderem monetizar os dois; e, tendo em conta que mais de 40% dos incêndios são em matos e incultos, permitir aos proprietários privados investir nestes terrenos, plantando um hectare de floresta de conservação por cada hectare de floresta de produção”.

Painel “Fibra florestal: Riscos e oportunidades no contexto nacional”

Soluções de futuro

Durante o segundo painel, que refletiu sobre “E o futuro? Olhares sobre a importância da sustentabilidade da matéria-prima florestal”, Rosário Alves, diretora executiva da Forestis, defendeu que “Portugal é um país florestal sem cultura florestal” e confirmou que “a força desta indústria merecia muito mais ser ouvida. Propostas feitas pelas associações de proprietários há quinze anos estão apenas hoje a começar a ser tratadas pelo governo”.  Além disso, referiu também, “apesar de todos os problemas que temos de matéria-prima e de fracionamento da propriedade, vemos as nossas indústrias a progredirem e a criarem valor. Portanto, a pergunta que temos de fazer é: se não tivéssemos essas dificuldades, onde é que poderíamos chegar?”. 

O Fórum de Sustentabilidade realizou-se no dia 31 de outubro, no Centro Nacional de Exposições de Santarém, num formato presencial e virtual, para alargar ao máximo o debate.

Com vista ao planeamento florestal, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, começou por defender a importância de ter em conta a influência das alterações climáticas, sobretudo no sul do país, onde se regista uma redução da precipitação e um aumento da temperatura média. Francisco Ferreira, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e presidente da associação ZERO, acrescentou: “É o equilíbrio de termos a floresta certa, no local certo, tendo em conta os riscos futuros, que requer uma discussão e um planeamento de longo prazo que continua por fazer.”

Luís Neves Silva, diretor-geral da iNovaLand Investment Limited, afirmou que “a limitação das matérias-primas e os preços elevados estão a esticar o sistema ao limite daquilo que a economia convencional consegue pagar. Havendo falta de incentivos para investir na floresta, temos de ir aos intangíveis que não estão neste momento a ser valorizados: mercados de carbono, mercados da biodiversidade, mercado da água. Temos de ver a floresta de uma forma muito mais abrangente e integrada.”

“E o futuro? Olhares sobre a importância da sustentabilidade da matéria-prima florestal”

No encerramento da sessão, Teresa Presas, secretária-geral do Fórum de Sustentabilidade, destacou que “a gestão florestal sustentável pode ser a ferramenta para que uma das matérias-primas mais antigas usadas pelo homem se torne a matéria-prima do século XXI, apoiada por avanços tecnológicos que melhorem a sua performance”. A oradora considerou que “o setor está numa conjuntura excelente para facilitar a bioeconomia, mas nada disto parece ter melhorado a situação das florestas nem da política florestal. O setor tem o mesmo objetivo que o governo: melhorar a qualidade e a quantidade das florestas, portanto, o regulador deve ouvir aqueles que sabem como isso se faz”.

Teresa Presas, secretária-geral do Fórum de Sustentabilidade

Assista aqui à gravação desta 16ª sessão do Fórum de Sustentabilidade da Navigator.