Reportagens

IMPACTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NA PRODUTIVIDADE

Conhecer as variações de precipitação e temperatura, e a forma de as minimizar, pode ser decisivo na análise da viabilidade de investimentos florestais.

O aquecimento global provoca alterações significativas nos ecossistemas e na paisagem, com efeitos na produtividade das plantações de eucalipto. O RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel (Laboratório de I&D detido pela The Navigator Company, Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa, através do Instituto Superior de Agronomia) tem estudado o tema e desenvolvido trabalhos com o objetivo de mitigar estes efeitos.

Analisando os dados disponibilizados pelo IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) para o período 2011-2040, a partir de modelos de previsão com base na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, utilizando metodologia própria, o RAIZ concluiu que Portugal poderá ter mais 12,7% de áreas consideradas inaptas para eucalipto globulus até 2040. “Numa primeira fase, estabelecemos os requisitos climáticos ideais para o eucalipto, em termos de temperatura e precipitação, os dois principais fatores de impacto. Depois, procuramos verificar em que medida as condições futuras se aproximam ou afastam do intervalo de aptidão da espécie”, conta Nuno Rodrigues, investigador na área da silvicultura adaptativa e inventário florestal no RAIZ.

Conclui-se, assim, que, considerando as características e exigências do eucalipto, os impactos do clima e dos eventos extremos serão superiores na região sul e interior do país. No norte e centro, apesar de as previsões apontarem também para uma degradação do clima, a análise do RAIZ prevê que, apesar de a produtividade poder ser influenciada negativamente, a aptidão das áreas se mantenha dentro do intervalo adequado ao eucalipto.

Adaptar para sobreviver

É a capacidade da espécie em responder às mudanças climáticas, adaptando-se de forma a reduzir a vulnerabilidade, que determina a sua sobrevivência. “O nosso globulus tem origem numa zona muito particular da Austrália e da Tasmânia, pelo que poderá ter alguma rigidez relativamente a condições climáticas mais adversas como as que temos estado a viver”, explica José Araújo, investigador do RAIZ na área de desenvolvimento genético.

“O melhoramento genético pode viabilizar a floresta em locais difíceis”, refere José Araújo. “Baseia-se na escolha das árvores com melhor capacidade de sobreviver às condições em determinado local. De uma forma simplista, são cruzamentos que levam a que os ‘filhos’ sejam melhores que os ‘pais’, e os netos melhores que os ‘filhos’, e por aí em diante.”

Os incentivos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) permitiram ao instituto dar “um impulso significativo no melhoramento genético”, diz Daniela Ferreira, da equipa de I&D de genética e consultoria florestal do RAIZ. José Araújo explica esse impulso: “O que o PRR permite é importar algumas espécies de eucalipto da zona oeste da Austrália (Perth), que tem um clima mais mediterrânico, um clima diferente das zonas da Austrália de onde é originário o globulus. Vamos colocar essas novas espécies em arboretos e depois hibridar com globulus, uma vez que esta é a espécie que produz melhor madeira para a indústria de pasta e papel”. Uma ideia reforçada por Nuno Rodrigues, que refere que “todo o nosso trabalho de desenvolvimento e melhoria genética é virado para o globulus, mas às vezes é preciso aumentar a diversidade genética. Sempre com a preocupação de manter a qualidade da madeira”. E por Daniela Ferreira, que acrescenta que “é necessário agregar outras espécies para colmatar ‘fragilidades’ do globulus”, nomeadamente na adaptação às alterações climáticas e resiliência a pragas e doenças.

Seja qual for a opção, os estudos são claros: “Os nossos clones aportam uma capacidade de sobrevivência maior relativamente à floresta não melhorada”, conta José Araújo. O melhoramento genético é um passo importante, mas não chega. “Há que atacar o problema nas várias vertentes”, diz Nuno Rodrigues: “materiais genéticos, mas também novas técnicas e abordagens de silvicultura e expansão para áreas de plantação com maior aptidão”.

Daniela Ferreira dá exemplos de gestão silvícola: “Na preparação dos terrenos, uma das formas de mitigarmos a falta de água é não manipular tanto o solo – dessa forma não aumentamos a sua temperatura, conservando a água. Também estamos a estudar a diminuição da densidade dos povoamentos, ajustando a quantidade de plantas em ambientes com limitação de recursos naturais; há uma perda de produtividade inerente, mas como há menos competição, diminui a mortalidade, e pode ser uma ajuda importante”.

Analisando os dados disponibilizados pelo IPMA, a partir de modelos de previsão com base na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, e utilizando metodologia própria, o RAIZ concluiu que Portugal poderá ter mais 12,7% de áreas consideradas inaptas para eucalipto globulus até 2040.

A relação entre as alterações do clima e a produtividade das plantações está estabelecida. O trabalho do RAIZ passa agora por continuar a monitorizar e procurar soluções. Nuno Rodrigues resume: “Muito do trabalho implica olhar para trás, mas temos também tentado perceber como vai ser a fotografia daqui a 20 ou 30 anos, através das projeções climáticas. A ideia é tentarmos sempre antecipar e não apenas reagir”.

Não é só o clima que muda

As alterações no clima trazem consigo outro tipo de problemas. O aumento esperado de dias com temperaturas superiores a 35ºC elevará o risco meteorológico de incêndio, situação agravada pela também expectável diminuição de precipitação, pelo que o reforço das medidas de proteção é imperativo.

Estes fatores impactam também nas pragas e doenças, quer aumentando a suscetibilidade dos povoamentos, por exemplo, à foracanta, quer levando ao surgimento de novas pragas e doenças, fator para o qual a hibridação das plantas também pode contribuir.

O RAIZ tem vindo a estudar e implementar medidas de controlo integrado de pragas e doenças, como a resistência genética e o controlo biológico e químico. Tem também desenvolvido trabalho continuado na monitorização e avaliação do estado fitossanitário da floresta ao longo dos últimos 20 anos.

Artigo publicado originalmente na revista n.º 12, de dezembro de 2023, que pode ler na íntegra em https://www.produtoresflorestais.pt/quero-receber-a-edicao-da-revista-em-papel/.