Reportagens

Pelo bem comum

A Cooperativa Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira aposta num projeto de gestão partilhada para dinamizar a gestão florestal.

Num só olhar é possível abarcar toda a parcela de eucaliptal, junto à estrada, propriedade da Cooperativa Agro-florestal de Vila Nova do Ceira. É um dos terrenos que compõem os 36 mil hectares de floresta geridos por esta cooperativa que há quase seis décadas apoia a população da freguesia, e ilustra bem um dos principais problemas da floresta na região: a diminuta dimensão dos terrenos e a ausência ou falta de atualização do cadastro. Ainda assim, a cooperativa não baixa os braços e tem em curso um projeto de gestão florestal partilhada que luta por levar a bom porto.

“Em média, o tamanho dos terrenos não chega a meio hectare. Se eu for fazer a gestão de uma área tão pequena, além da mão-de-obra ficar mais cara, tudo vai ser mais difícil. Com o nosso projeto da gestão florestal partilhada, a ideia é angariar os terrenos e juntá-los num só para ser gerido pela Cooperativa”, explica Catarina Rodrigues, coordenadora de atividades estratégicas. Este é um projeto muito acarinhado, mas desafiante, assume. “Deparamo-nos com vários problemas. Um deles é os herdeiros não fazerem a mínima ideia da localização do terreno, outro é a dimensão. E também o facto de nem todos os proprietários aderirem”, explica a responsável, que atribui alguma falta de confiança à idade avançada da população.

Nos 56 anos que leva de atividade, a Cooperativa Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira tem assumido como principal foco a resposta às necessidades da população. “A cooperativa iniciou-se com o objetivo de ajudar os menos favorecidos e foi evoluindo de acordo com as necessidades que a comunidade apresentava”, conta Catarina Rodrigues. Para facilitar as operações, a cooperativa está dividida em cinco áreas – compra e venda, florestal, social, agrícola e serviços – e presta apoio a sócios e não sócios, sem nunca perder de vista o bem comum.

Foi assim que foram criados um lagar – que inclui também um Lagar Museu – cujos serviços estão abertos a toda a população, uma melaria, e está agora a ser construído um pequeno hotel. Em termos de gestão de áreas comuns, os baldios “Oliveira da Selada”, que foram cedidos à Cooperativa, estão desde 1991 arrendados à The Navigator Company. “O contrato foi assinado com a então Soporcel”, recorda Catarina Rodrigues. “Tínhamos muita madeira e era mais benéfico arrendar os terrenos, conseguir rendimento e beneficiar do saber fazer de uma empresa especializada. E assim estaríamos também mais protegidos dos incêndios, uma vez que, antes do arrendamento, esta era uma zona bastante castigada”, explica. A relação mantém-se até hoje, com a Companhia a ser responsável pela gestão de cerca de 500 hectares de floresta. Para Catarina Rodrigues, nascida e criada na freguesia, as vantagens da ação comunitária para uma gestão mais ativa da floresta são evidentes. “Por exemplo, chega aqui alguém que nem é de cá e que tem um terreno pequeno. Nós ajudamos a localizar o terreno, a conhecer os vizinhos, e isso promove a entreajuda e a tal gestão partilhada. Se não houvesse a cooperativa, a quem é que estas pessoas poderiam recorrer?”, questiona a responsável, que destaca ainda o papel da cooperativa enquanto intermediário entre os produtores locais e as várias entidades. “Pedem-nos ajuda na candidatura a alguns programas ou nos processos de certificação. Tendo isso em conta, fomo-nos associando a outras entidades que nos dão apoio. As pessoas daqui conhecem-nos, sabem quem somos e confiam”, diz.

Carlos Duarte, de 68 anos, conhece bem a região e a atividade da cooperativa. É proprietário de dez hectares de terreno, boa parte do qual ocupado por eucaliptal e, tal como os restantes habitantes de Vila Nova do Ceira, também a sua propriedade – parte herdada e parte adquirida – está dispersa em várias parcelas de pequena dimensão. Isso não o impediu de apostar numa gestão o mais profissional possível: toda a floresta está certificada, aderiu a programas como o Limpa e Aduba e a plantação é pensada desde o início. “Hoje cuida-se muito mais da floresta. Há 30 anos não se plantava como planta hoje, o modo de gerir mudou, é tudo muito mais pensado”, afirma o produtor, que integra o conjunto de proprietários que aderiu ao projeto de gestão partilhada. A rentabilidade trazida por uma gestão ativa é maior, garante Carlos, mas os gastos a que obriga são muitos, critica o produtor florestal, no que é secundado por Catarina Rodrigues: “Quem quiser estar legal, desde a compra do terreno, à lavragem, até à plantação e ao corte, gasta muito dinheiro. E tem de andar sempre com o dinheiro à frente porque só vai receber quando cortar”. A solução, defende, passaria pelo aliviar da carga fiscal, de modo a permitir uma maior folga aos pequenos silvicultores.

Artigo publicado originalmente na revista n.º 13, de março de 2024, que pode ler na íntegra e descarregar aqui.