Eucalipto globulus: muito mais do que madeira
O eucalipto e a sua biomassa encerram componentes com inúmeras aplicações no contexto da nova bioeconomia circular.
A madeira já não é a única matéria-prima obtida nas florestas plantadas de eucalipto. A necessidade de procurar alternativas ao plástico de origem fóssil, de forma a responder aos desafios trazidos pelas crises climática e ambiental, representou o início de um caminho que veio revelar inúmeras respostas inovadoras com origem na floresta. Em Portugal, a espécie Eucalyptus globulus está a mostrar um enorme potencial, permitindo o desenvolvimento de novas soluções que constituem contributos valiosos para a circularidade da economia e para a redução da pegada carbónica de muitos produtos que usamos no dia a dia. Este caminho começa, invariavelmente, no laboratório. É a ciência que está a demonstrar todas as potencialidades do eucalipto, e como valorizá-lo.
E o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel (Laboratório de I&D detido pela The Navigator Company, Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa, através do Instituto Superior de Agronomia), tem tido um papel central nesta busca. “Estamos a desconstruir a madeira e a biomassa, isolando os seus componentes, para perceber as aplicações que cada um pode ter”, explica Carlos Pascoal Neto, diretor-geral do RAIZ. Uma estratégia que está a transformar as tradicionais unidades da indústria papeleira em biorrefinarias: “As fábricas de pasta e papel, e as florestas que as alimentam, estão a evoluir para um sistema integrado que vai permitir a produção de um conjunto de novos bioprodutos, a partir das fibras celulósicas ou de outros componentes da madeira e da biomassa florestal”, explica. Estes novos bioprodutos, incluindo, entre outros, bioquímicos, biocombustíveis, biocompósitos e novos materiais para embalagem, têm potencial para substituir os análogos obtidos a partir de origem petroquímica. Já chegaram ao mercado alguns exemplos, como os papéis de embalagem da marca gKRAFT, que a The Navigator Company lançou no final de 2021. Mas este foi só o começo.
A marca gKRAFT vai ter, muito em breve, uma nova gama de embalagens de celulose moldada para o setor alimentar. Será produzida no Complexo Industrial de Aveiro, numa linha de produção integrada cujo arranque está previsto já para julho ou agosto deste ano. Terá uma capacidade inicial de 100 milhões de peças, mas está preparada para, posteriormente, permitir aumentos de capacidade. Esta é uma nova área de negócio para a The Navigator Company e assenta num intenso trabalho de investigação e inovação realizado pelo RAIZ. “É a primeira vez no mundo que está a ser produzida celulose moldada 100% a partir de fibra de eucalipto globulus. Este é mais um mito quebrado em relação à utilização desta matéria-prima”, afirma Carlos Pascoal Neto. As embalagens de celulose moldada são geralmente produzidas a partir de outras fibras celulósicas – não de madeira e muito menos de madeira de eucalipto.
Celulose moldada: embalagens revolucionárias
As que existem no mercado português são maioritariamente importadas de países asiáticos e fabricadas a partir de fibras de celulose de bagaço de cana, entre outras. “O conhecimento que tínhamos há dois anos sobre este tema era muito incipiente. Mas a perceção existente era que seria muito difícil obter produtos de celulose moldada com fibra de eucalipto”, recorda o diretor do RAIZ. Um trabalho intenso de investigação, nos últimos dois anos, acabou por revelar que o eucalipto globulus é adequado também para a celulose moldada. “Os produtos que estamos a desenvolver e a testar apresentam excelentes características para embalagem alimentar, com potencial para se diferenciarem no mercado”, garante Carlos Pascoal Neto.
Programa de cocriação abre caminhos em muitas frentes
Muitas outras vias estão a ser abertas no sentido de valorizar os vários componentes do eucalipto e também subprodutos dos processos industriais de produção de pasta e papel. Algumas delas, foram desenvolvidas em parceria com outras empresas, nomeadamente no âmbito do primeiro Programa Nacional de Cocriação para Valorização do Conhecimento Científico e Tecnológico em Bioeconomia Circular e Digital de Base Florestal. O programa estabeleceu parcerias que uniram o RAIZ a oito PMEs nacionais. Os projetos tiveram início em setembro de 2022 e, ao longo de nove meses, houve um intenso trabalho de investigação em várias frentes. “Foi um programa com resultados muito interessantes”, considera Sara Monteiro, diretora de Gestão de Inovação do RAIZ e coordenadora do programa de cocriação. “Quase todos os projetos tiveram protótipos validados, sendo que alguns carecem de mais desenvolvimento. Mas há tecnologias muito promissoras, e casos em que se atingiu um estádio bastante avançado”. Pedro Branco, investigador do RAIZ e mentor de alguns dos projetos, considera que “o alargamento da rede de parceiros foi muito positivo. Trouxe uma complementaridade de competências e valências e abriu portas a potenciais novos negócios. Esta é uma das grandes conquistas do programa de cocriação”, conclui.
Um dos projetos mais próximos de resultar em produtos no mercado é o que trabalhou a incorporação de fibra celulósica de eucalipto em plásticos de origem fóssil ou bioplástico. Estes novos materiais, mais sustentáveis, poderão ter aplicações em áreas muito diversas, desde a indústria automóvel ao mobiliário. Nos viveiros da The Navigator Company em Espirra, Pegões, encontram-se em fase de teste tubetes fabricados com estes compósitos (ver texto em baixo). “Esta nova área está numa fase muito avançada, que já pode ser considerada de pré-industrialização”, adianta Carlos Pascoal Neto. “Em termos tecnológicos, atingimos a maturidade, mas em termos de mercado são precisas mais avaliações”, revela.
Dos poderosos óleos essenciais à celulose bacteriana
Outros projetos do programa de cocriação passaram, por exemplo, pela valorização dos inúmeros benefícios para a saúde dos óleos e extratos de eucalipto. “A ideia é extrair da folhagem que chega às fábricas, junto com toda a biomassa, utilizada para fins energéticos, o óleo essencial e outros componentes que têm benefícios comprovados nas áreas da saúde e da nutracêutica”, explica o diretor do RAIZ. A biomassa pode depois seguir para a caldeira, como já iria, e todo o seu valor energético continuará a ser aproveitado. “Há aqui um potencial enorme e atingimos já uma maturidade tecnológica bastante avançada. Também nesta área estamos a analisar a possibilidade de investir numa nova unidade industrial dedicada à extração dos óleos essenciais e outros compostos bioativos”, revela Carlos Pascoal Neto. O programa de cocriação integrou ainda projetos que passaram, por exemplo, pela produção de celulose bacteriana a partir dos açúcares existentes no eucalipto – este produto poderá ter aplicações alimentares, mas também ser usado para conferir ao papel de embalagem propriedades de resistência. Este projeto atingiu, igualmente, uma maturidade tecnológica avançada e, segundo o diretor do RAIZ, a “viabilidade económica está ainda em análise”.
Artigo publicado originalmente na revista n.º 14, de junho de 2024, que pode descarregar aqui: https://www.produtoresflorestais.pt/quero-receber-a-edicao-da-revista-em-papel