Formar para cuidar e rentabilizar
A baixa qualificação e a falta de interesse no emprego florestal exige capacitação. Para formar profissionais e atrair jovens, está aí o Advance Forest.
Resultado de um consórcio que integra a Forestis – Associação Florestal de Portugal, a Fenafloresta – Federação Nacional das Cooperativas de Produtores Florestais, e a Biond – Associação das Bioindústrias de Base Florestal (Altri e The Navigator Company), o Advance Forest integra ações de capacitação, sensibilização e informação em sete áreas de conhecimento, num total de 20 workshops. Destinado a técnicos, produtores e proprietários florestais, este programa de formação inédito no nosso país terá início em junho e prolongar-se-á até dezembro de 2025, assumindo-se como um “primeiro passo” para o “virar de página” que se impõe.
José Luís Carvalho, representante da Navigator na Biond neste tema do consórcio Advance Forest, começa por explicar que o curso pretende colmatar duas lacunas: a escassez de recursos humanos e a falta de formação. “Não existe formação adequada, ou existe de forma muito incipiente”, diz. O que acontece, precisa, “é que os equipamentos são caros (alguns podem superar o meio milhão de euros), mas depois carecem de operadores que possam retirar a devida eficiência e rentabilidade”. A par disto, “foi sentido que há uma enorme falta de mão de obra qualificada para operar os atuais equipamentos”, pelo que esta “formação de alta qualidade, com formadores especializados” pretende ainda que “os jovens se sintam atraídos por este trabalho, que hoje já é altamente tecnológico e digital”.
“Existem muito poucos jovens motivados para esta profissão”, sublinha o responsável. Mas sem razões para isso. “O salário é interessante e o nível de conforto térmico e ergonómico das máquinas muito bom”, justifica. Um outro atrativo é que esta formação vai incluir nas suas aprendizagens práticas digitais: “Tal como acontece com os pilotos de aviões, também aqui os operadores vão treinar com um simulador antes de irem trabalhar com uma máquina”.
Carlos Duarte, presidente da Forestis e líder do consórcio, concorda que esta ação “prioritária a nível da formação profissional e de capacitação” pode contribuir para combater a “pouca disponibilidade e a pouca atratividade” do trabalho no setor florestal, facto que tem conduzido gradualmente a uma “carência de recursos humanos, quer na gestão, quer na prevenção”.
“As novas gerações afastaram-se do mundo rural”, refere Carlos Duarte. Pelo que, para manter a gestão da floresta nos casos de proprietários ausentes, “é preciso expectativa de retorno” e “prestadores de serviços que possam aconselhar as tarefas a fazer na organização e na produtividade da floresta e, assim, dar garantias aos proprietários de resposta do mercado”. Por outras palavras, sublinha, “queremos acabar com uma atitude passiva dos proprietários e promover uma gestão ativa”, assegurar “que há alguém no território que faz quando o proprietário está longe”.
Segurança e povoamento
A gestão ativa da floresta passa também pela promoção da segurança. Neste sentido, o Advance Forest vai integrar um conjunto de workshops destinados a informar e sensibilizar para a importância de evitar riscos e acidentes laborais, mas também de prevenir e agir em caso de incêndios florestais. José Luís Carvalho esclarece: “O ambiente florestal tem riscos (de incêndio, de queda de árvores, de caminhos pedregosos…) e é preciso que os operadores de máquinas saibam como estar nesse ambiente, o que fazer em caso de risco, como podem pedir e dar auxílio”.
Mas o Advance Forest vai mais longe, focando outras matérias, mais ou menos práticas, nomeadamente a legislação ambiental e a certificação florestal, as práticas de condução defensiva e de todo-o-terreno, ou ainda a avaliação de povoamentos florestais. Se os cursos mais especializados, como o de operadores de máquinas, vão ter apenas 10 a 15 pessoas, já nos outros, “mais abertos”, haverá certamente uma maior abrangência, quer a nível de participantes, quer de regiões.
Na verdade, espera-se que o Advance Forest venha a beneficiar Organizações de Produtores Florestais (OPF) e entidades do setor florestal de todo o país, indo assim ao encontro de uma das grandes convicções que norteia o consórcio: a localização geográfica não deve limitar a partilha e a disseminação de conhecimento.
As expectativas, a crer nas reações já manifestadas, não podiam ser melhores. “As empresas, mesmo as pequenas, são as primeiras a dar-nos encorajamento e a incentivar-nos”, diz José Luís Carvalho, garantindo que “a vontade de formação é generalizada”. Por isso, o consórcio (que representa 78 organizações de produtores florestais, associadas à Forestis e à Fenafloresta) está otimista, esperando que, em 2025, 20% dos produtores florestais e técnicos florestais que participem nos seus workshops e nas suas ações de sensibilização definam e introduzam nas suas atividades melhores práticas e procedimentos de segurança, contribuindo, assim, para uma melhor gestão e uma maior rentabilidade.
Uma mudança que, como nota Carlos Duarte, não só vai beneficiar os proprietários, assegurando-lhes “o escoamento do material lenhoso e o retorno de rendimento e, assim, uma gestão mais ativa e mais rentável do espaço”, como o próprio “bem público”, criando ao país “expectativas mais elevadas a nível do valor económico da floresta”.
Passo de gigante
As necessidades e a recetividade em torno do Advance Forest justificam a continuação das ações de formação. Carlos Duarte reconhece que o curso “é uma base para, numa segunda fase, poder haver um espaço e uma rede de capacitação contínua, com campo de treinos para operacionais e divulgação de conhecimentos técnicos e práticos”. E o consórcio “é o caminho”, defende, certo de que “só podemos ser mais eficazes em parceria com as empresas do setor e a investigação”. José Luís Carvalho concorda, sublinhando que “é preciso juntar forças”, numa “rede que deverá juntar as universidades, a indústria, as empresas florestais, outras entidades ligadas ao associativismo florestal, os próprios distribuidores dos equipamentos e as autoridades oficiais”. Só juntando esforços, insiste, “vamos responder às necessidades de todos os agentes e contribuir para um passo de gigante”. Um salto fundamental, caso contrário “não vamos ter pessoas para cuidar da floresta”.
A propósito, revela que o Advance Forest vai ser “o embrião de uma futura escola: a Forest Advanced School. O objetivo da Biond, refere, “é constituir uma escola florestal que permita dar cursos muito especializados, de alta qualidade, muito práticos, que possibilitem que os formandos saiam com aptidões fortes nas operações florestais”. E, ao mesmo tempo, “profissionalizar a atividade, dar-lhe mais reputação e atratividade para os jovens”, sejam eles rapazes ou raparigas, “porque neste momento não há qualquer restrição física para que o trabalho feminino não esteja presente nestas profissões”.
A intenção, diz ainda, “é virar a página”. E passarmos a ter, tal como acontece nos países em que a floresta tem um grande impacto, como o Brasil ou os países nórdicos, “profissionais de máquinas muito bem treinados e operativos”. Esta mudança, insiste, “vai permitir que as pessoas olhem para esta profissão como uma profissão categorizada, de alto valor tecnológico”.
Aliás, nota, estes profissionais “são altamente procurados” e vão assumir ainda maior destaque “numa época da bioeconomia, do renovável, das fibras de madeira…”, sem riscos de virem a ser substituídos pela Inteligência Artificial porque “o ambiente florestal é tão complexo e tão diverso que o fator humano vai continuar a ser o centro”. Até agora, conclui José Luís Carvalho, “avançámos muito nos equipamentos, mas avançámos pouco com as pessoas. Está na hora de pôr as pessoas no centro da operação”.
Artigo publicado originalmente na revista n.º 14, de junho de 2024, que pode descarregar aqui: https://www.produtoresflorestais.pt/quero-receber-a-edicao-da-revista-em-papel