Reportagens

Um pioneirismo português com 66 anos

Cacia foi pioneira mundial na produção de pasta de eucalipto globulus pelo método kraft e no fabrico industrial de papéis de impressão 100% a partir de fibras desta espécie.

Completam-se hoje exatos 66 anos desde que uma equipa de técnicos e de engenheiros da Companhia Portuguesa de Celulose, em Cacia, antecessora da The Navigator Company, desenvolveu com sucesso, à escala industrial, uma inovadora pasta de eucalipto globulus que transformou para sempre o setor mundial da pasta e do papel, e viria a impor esta espécie como matéria-prima de excelência.

A inovação de 4 de janeiro de 1957 mudou o padrão da indústria, tornando possível uma nova geração de papéis de elevada qualidade com base no eucalipto globulus. Ainda nesse ano, menos de três semanas depois desta primeira pasta, chegava novo marco fundamental: a 29 de janeiro de 1957, realizava-se, pela primeira vez, o fabrico industrial de papel de impressão utilizando 100% de pasta de eucalipto globulus.

A pasta branqueada de eucalipto pelo método kraft (BEKP) está hoje na base dos melhores papéis de escrita e impressão em todo o mundo, colocando esta indústria de base florestal portuguesa como referência à escala global.

O desenvolvimento desta pasta representou uma disrupção face aos padrões da época e representou um processo de inovação fundamental: a equipa de Cacia escolheu a espécie de eucalipto radicada em Portugal, o Eucalyptus globulus, e aplicou-lhe o processo kraft, ou ao sulfato (separação química das fibras da madeira com recurso a sulfato de sódio), algo que representou um caminho totalmente novo para a época.

E é preciso colocar tudo em perspetiva: na altura, as espécies nórdicas e canadianas eram consideradas o produto nobre que estava na base das melhores e mais procuradas pastas branqueadas para o fabrico de papel. Em Portugal, na fábrica da Companhia Portuguesa de Celulose, os equipamentos adquiridos nos Estados Unidos no âmbito do Plano Marshall, que haviam sido projetados para lidar com o southern pine, faziam um bom trabalho na produção de pasta crua de pinho, mas os problemas surgiram quando se tentava produzir pasta branqueada de qualidade.

“Tendo as instalações de fabrico de pasta sido projetadas e fabricadas para manusear os chamados ‘Southern Yellow Pines’, dos quais o mais frequente no sudeste americano é o Pinus taeda ou ‘loblolly pine’, quando se tratava de branquear o nosso Pinus pinaster, dado o seu mais elevado teor em lenhina e o caráter mais cromofórico dessa lenhina, a verdade é que a instalação de branqueamento estava subdimensionada e processualmente inadequada. Daí que se obtivessem apenas pastas semibranqueadas, muito depreciadas em qualidade e preço, e com difícil colocação no mercado europeu”, como explicava Manuel Gil Mata, ex-administrador do Grupo Portucel Soporcel, na revista “Pasta e Papel”, em 2011.

Numa entrevista de memórias, Luís Rolo, na altura Chefe de Serviços da Fábrica de Pastas Químicas, refere que as suas conversas “originais” com Joaquim Von Hafe (então Chefe dos Serviços de Laboratório) sobre o estudo de mais espécies florestais que pudessem compensar os defeitos da matéria-prima de que dispunham – o pinho – começaram em 1956. “Não se tratava, com certeza, de uma fibra não aceitável, pois a sua forma crua apresentava, ao tempo, mercado justificativo que, em muitos casos, ainda hoje se verifica e impõe, como é o caso das fábricas integradas de kraftliner, onde o seu alto nível de qualidade é deveras notório. Referia-me, pois, às celuloses branqueadas, na altura dificilmente comparáveis às nobres fibras escandinavas e canadianas”.

O Projeto TE-24

Nesta altura começava a emergir na Companhia Portuguesa de Celulose uma gestão industrial mais aberta a experiências para além do pinho. O ambiente propício para que, em Cacia, o grupo de engenheiros e técnicos inconformados decidisse desafiar as convenções.

Durante 1956, foram feitas várias experimentações e ensaios, que deram origem, em dezembro desse mesmo ano, ao relatório Estudo Técnico Especial TE-24, elaborado, promovido e dirigido por Joaquim von Hafe. Após estes primeiros estudos, seguiu-se, a 4 de janeiro de 1957, o primeiro teste industrial, cujos resultados foram conclusivos.

O papel originado pela pasta de eucalipto começou no final da década de 1950 a ser o preferido por toda a Europa

Apesar de ser de uma fibra curta, à época com menos procura e baixo valor comercial do que as fibras longas como o pinho, que na altura dominavam o mercado e eram consideradas o produto nobre, as características únicas da pasta de eucalipto foram determinantes para catapultar a indústria portuguesa para uma história de sucesso. A estas pastas foram reconhecidos excelentes valores de brancura, opacidade e índice de mão, que, a par da formação da folha, as potenciavam como excelentes para os papéis de impressão e escrita. Por outro lado, surpreenderam também pelas resistências, tornando-as igualmente adequadas para diversas aplicações na área da embalagem.

As pastas produzidas em Portugal a partir do E. globulus rapidamente conquistaram sucesso internacional. Logo em 1957, saiu de Cacia com destino ao mercado europeu um carregamento de 51,2 toneladas desta pasta para o grande fabricante de papéis inglês Albert Reed, Co, ao mesmo tempo que o papel originado por esta pasta de eucalipto começava a ser o preferido um pouco por toda a Europa, desde as conceituadas oficinas de artes gráficas da francesa Hachette, até à britânica Tullis Russel, que, no fabrico de papéis de impressão de alta qualidade, passou a adotar esta pasta.

Referência mundial

A espécie mais utilizada atualmente em Portugal para a produção de pasta e papel é o eucalipto globulus, quer pelas suas características de adaptabilidade às condições edafoclimáticas (relativas ao solo e ao clima) nacionais, quer também por ser, graças ao trabalho dos pioneiros de Cacia, reconhecida como a melhor fibra do mundo para fazer diversos tipos de papel.

Como matéria-prima, o eucalipto globulus é também uma espécie com elevada ecoeficiência, ao permitir menor consumo de madeira por tonelada de pasta de celulose e ao requerer menor utilização de produtos químicos nos processos de cozimento e branqueamento, garantindo a obtenção de uma pasta de melhor qualidade para muitas utilizações.

Vários países tentaram plantá-lo, mas sem sucesso, o que revela ainda mais a vantagem competitiva e as condições únicas que Portugal oferece a esta espécie.

Em 2021, a indústria papeleira nacional investiu mais de 5,2 milhões de euros em investigação e desenvolvimento florestal

Quase sete décadas passadas, o setor da pasta e do papel assegura, de acordo com o INE, 4,5% das exportações portuguesas e 43% das exportações do setor florestal, colocando os seus produtos em mais de 170 países. As exportações representam o dobro das importações, sendo este um dos setores que mais contribui positivamente para a balança comercial portuguesa. A Biond, associação da indústria papeleira, sublinha, no seu boletim estatístico referente a 2021, que as vendas do setor totalizaram 1,3% do Produto Interno Bruto.

A The Navigator Company, sucessora da Companhia Portuguesa de Celulose, é hoje a terceira maior exportadora do país e aquela que cria maior valor acrescentado nacional, fruto da elevada incorporação local. A companhia é líder europeia na produção de papel de impressão e escrita e líder mundial no segmento Premium, sendo também a maior produtora europeia de pasta branqueada de eucalipto, e 5ª a nível mundial.