Reportagens

Abelhas e floresta, uma relação forte

O papel das abelhas na polinização faz delas um elemento fundamental no ecossistema terrestre. E as florestas são locais ideais para se abrigarem e se alimentarem.

abelha a polinizar

Na Europa, existem 200 espécies selvagens de abelhas, sendo a Apis melífera, ou abelha-europeia, a mais conhecida. Esta espécie está associada aos apicultores e à produção de mel e de outros produtos das colmeias utilizados nas indústrias alimentar e farmacêutica, como pólen, cera, própolis, geleia-real, e até apitoxina (o veneno de abelha, usado na apiterapia).

Estes serviços ecológicos e económicos prestados pelos polinizadores, especialmente pelas abelhas, estão avaliados pela Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistémicos em 577 mil milhões de dólares, globalmente. Na Europa, estima-se que estes contribuam com pelo menos 22 mil milhões de euros por ano para a indústria agrícola, ao assegurarem a polinização de mais de 80% das colheitas e das plantas silvestres europeias, a que se soma os produtos da apicultura.

Em Portugal, o Programa Apícola Nacional (PAN) para o triénio 2020-2022 traduz o objetivo europeu de melhorar as condições gerais de produção e comercialização de produtos apícolas. Fica-se a saber, no documento, que o país mantém uma tendência crescente de número de apiários, e que, na União Europeia, existem 17 milhões de colmeias.

No relatório de 2020 da ONU sobre as florestas e as árvores na promoção da polinização por abelhas, borboletas e outros animais, onde se defende que é urgente interromper a degradação do habitat destas espécies e proteger a biodiversidade, Portugal foi citado, com a FAO a destacar a importância dos matagais ribeirinhos, das matas ciliares e das florestas como recursos essenciais para abrigarem polinizadores.

As florestas de eucalipto, por exemplo, são importantes para as abelhas no inverno, que é quando esta árvore produz flor em abundância, proporcionando-lhes alimento numa altura de maior escassez. Além disso, a produção do mel de eucalipto é considerada monofloral e restrita a regiões específicas, o que permite valorizá-la. O próprio mercado tem apetência para o mel com origem no néctar das flores de eucalipto, conhecido pelo sabor a mentol e pelas propriedades peitorais e balsâmicas, sendo utilizado para aliviar dores de garganta, tosse e sintomas da sinusite e da gripe.

Um exemplo da relação simbiótica entre as abelhas e as florestas, nomeadamente de eucalipto, é o acordo que a The Navigator Company assinou com a Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP), que como objetivo apoiar a atividade apícola. A empresa cede, a título gratuito, parcelas que integram o seu património florestal, para que os apicultores da associação possam aí instalar apiários. Ao mesmo tempo, a polinização fomenta a biodiversidade dos ecossistemas: a Navigator acolhe nas suas propriedades cerca de 800 espécies e subespécies de flora e 241 espécies de fauna.

“Em Portugal, a principal ameaça à apicultura são as alterações climáticas”

Manuel Gonçalves, presidente da FNAP – Federação Nacional dos Apicultores de Portugal, afirma que os custos de exploração da atividade apícola estão em crescendo, o que reduz a rentabilidade do setor, mesmo quando a produção se mantém. As causas? No fundo, tudo tem por base a mesma coisa: as alterações climáticas. É que se o apicultor gasta mais dinheiro em deslocações, é porque tem de ir mais vezes aos apiários, por exemplo, colocar armadilhas para as vespas asiáticas. E porque é que elas aparecem cada vez mais? Por causa da subida média das temperaturas em Portugal. “Quando os invernos eram rigorosos elas não sobreviviam”, diz.

E se os apicultores têm cada vez mais de ir alimentar as suas abelhas no inverno com água e açúcar, ou mel, é porque elas não conseguiram fazer reservas suficientes na primavera. Porquê? Por causa de fenómenos climatéricos extremos cada vez mais frequentes, como ondas de calor que secam o néctar das flores em dias, ou provocam incêndios florestais que destroem as plantas que alimentam as abelhas, ou invernos com pouca água que reduzem o desenvolvimento das suas espécies silvestres preferidas, como a urze e o rosmaninho. Em 2020, as perdas foram acentuadas devido a uma primavera atípica, mas as temperaturas amenas com alguma humidade, em 2021, prometem um bom ano de mel, pelo menos na maioria do país, já que quando termina a maioria das florações no Sul é que começam as do Norte.

Esta diversidade territorial tem, pelo menos, uma vantagem, refere o presidente da FNAP: “Noutros países existe mais uma ameaça às abelhas, o uso de pesticidas, mas em Portugal esse é um problema menor, porque há menos contacto entre os apiários e a agricultura intensiva, que não é possível de realizar em várias zonas do país, onde há floresta ou matos improdutivos.” E esse é o paraíso das colmeias.