Alvares quer ser exemplo de floresta sustentável
Nesta freguesia do concelho de Góis nasceu a primeira Área Integrada de Gestão da Paisagem de iniciativa e liderança privada.
Desde 2009 que os proprietários da freguesia de Alvares procuram uma solução para a floresta da região, permanentemente assolada pelos incêndios. O caminho para o desenvolvimento de uma floresta sustentável, com diferentes formas de rentabilidade, infraestruturas de rede viária e ações na defesa da floresta contra incêndios (DFCI), ganhou forma nos últimos três anos, com a constituição da primeira Área Integrada de Gestão da Paisagem de iniciativa e liderança privada.
O projeto nasceu da necessidade de aumentar a gestão das áreas florestais no concelho de Góis e promete alterar positivamente a sua paisagem, de forma a diminuir a vulnerabilidade aos incêndios e potenciar a valorização dos recursos naturais. Com uma ambição ainda maior: tornar-se no embrião para a transformação da floresta de minifúndio que fragiliza a região Centro de Portugal.
“Criou-se uma dinâmica interessante e que começa a dar frutos”, afirma João Baeta Henriques, da ZIF da Ribeira do Sinhel, um núcleo com mais de 160 proprietários da região, que está na origem desta iniciativa, após os incêndios de 2017 em Pedrógão Grande e Góis.
O objetivo da AIGP é aumentar a gestão das áreas florestais de Alvares, de forma a diminuir a vulnerabilidade aos incêndios e potenciar a valorização dos seus recursos naturais.
A proposta de criação da AIGP de Alvares foi apresentada à Direção Geral do Território (DGT) no final de dezembro de 2020 e os promotores aguardam resposta para avançar com o delinear do projeto de execução. “Temos dois anos para desenvolver estas tarefas, mas queremos encurtar este prazo e ir para o terreno ainda antes do verão de 2022”, adianta aquele responsável.
A vez dos gestores florestais
A freguesia de Alvares tem uma área de cerca de 10 mil hectares (equivalente à cidade de Lisboa), sendo que a AIGP abrange 1 300 ha, zona que se pretende seja alargada faseadamente a outras já predefinidas e que serão priorizadas de acordo com a motivação dos proprietários locais. Os objetivos são claros: reduzir o número de incêndios e a área ardida, e permitir a obtenção de rendimento económico dos investimentos na floresta.
“Temos de deixar de chamar proprietários e passar a chamar gestores florestais”, sublinha João Baeta Henriques, projetando o modelo de gestão a implementar: “Contamos constituir, em breve, uma organização comercial, sustentável a médio/longo prazo, com competências técnicas e florestais próprias ou externalizadas, que agregue as necessidades e minimize custos de contratação de serviços (mobilizações de solo, plantações, controlo de matos e infestantes, e também do corte, rechega e transporte de madeira), faça o planeamento conjunto e sincronizado, e também inclua a venda agregada, maximizando o seu valor, dos produtos florestais e/ou outros que os aderentes/associados produzam.”
Apoio dos agentes locais
A propriedade de minifúndio em Alvares – existem cerca de 15 mil prédios rústicos, com uma média de cinco parcelas de pequena dimensão (0,6 ha) por proprietário – é um desafio para os promotores da AIGP, mas a Associação Florestal do Concelho de Góis (AFCG) tem dado uma importante ajuda.
“Estamos a ajudar os proprietários a identificar e delimitar os seus terrenos, a dizer-lhes como gerir, que ferramentas e apoios têm à disposição, ou então a dar-lhes a oportunidade de delegar em quem pode fazer, colhendo eles as receitas a definir”, adianta Carla Duarte, técnica da AFCG, sublinhando as vantagens da AIGP: “O proprietário não perde o direito à terra e, assim, é possível fazer uma gestão em escala, de forma agrupada, para tirar mais rendimento da floresta. As áreas integradas, pela sua dimensão, permitem também que os proprietários recorram a apoios a que, isoladamente, não têm acesso.”
Já Victor Duarte, presidente da Junta de Freguesia de Alvares, não esconde a sua expectativa na constituição da AIGP, “pois temos aqui a ferramenta para fazer algo de estrutural na nossa floresta”.
O envolvimento dos proprietários
“É impossível fazer gestão na floresta sem tirar desta um rendimento. Se não olharmos de uma forma económica para a floresta, procurando investir e tirar rentabilidade, potenciamos o abandono, com tudo o que isso implica no risco dos incêndios”, sublinha Carlos Pires, proprietário florestal em Alvares.
A evolução dos incêndios na região nos últimos 40 anos foi um dos motivos que levou este proprietário a apoiar, desde a primeira hora, a constituição da AIGP. “Vivemos numa zona com um contexto comum ao Pinhal Interior – pequena propriedade, baixa densidade populacional e permanente ameaça dos incêndios – e há uma necessidade efetiva de uma intervenção aprofundada para mudar este paradigma. Queremos deixar algo importante para os nossos netos”, afirma.
“É impossível fazer gestão na floresta sem tirar desta um rendimento. A floresta sem rentabilidade potencia o abandono, com tudo o que isso implica no risco dos incêndios”, sublinha Carlos Pires, proprietário florestal em Alvares.
Já António Luís Arnaut, produtor florestal na região, diz ser “um grande risco” investir na floresta, acrescentando que “dada a cadência com que a floresta arde, o eucalipto é a única árvore da qual ainda conseguimos tirar rendimento”.
Indústria com participação ativa
Cerca de 16% da área florestal da freguesia de Alvares é gerida pela indústria papeleira, através da The Navigator Company e da Altri Florestal. Mas não foi apenas enquanto produtores florestais que as duas empresas se juntaram ao grupo de parceiros da AIGP local: a indústria surge também como dinamizadora e patrocinadora do projeto, e compradora da matéria-prima que ali for produzida.
“Vemos como muito importante este projeto, pois é mais uma demonstração de como é possível conciliar floresta de produção com áreas de conservação e usos agrícolas, e a proteção contra o risco de incêndios”, afirma Francisco Goes, da CELPA – Associação da Indústria Papeleira.
A freguesia de Alvares tem uma área de cerca de 10 mil hectares (equivalente à cidade de Lisboa), sendo que a AIGP abrange 1 300 ha, zona que se pretende seja alargada faseadamente.
Navigator e Altri gerem cerca de 1 430 hectares de eucaliptal na freguesia de Alvares – 859 próprios e 573 arrendados –, constituindo-se como um dos exemplos, juntamente com alguns (poucos) proprietários, na gestão ativa da floresta na região. “A indústria possui povoamentos na área inicial da AIGP e vai dar um input técnico significativo no projeto, fruto da vasta experiência que possui na gestão florestal. Mas não vamos ficar por aí. Também iremos investir na implementação e operacionalização dos trabalhos, e até já assinámos um protocolo com a Associação Florestal do Concelho de Góis para reforço dos seus meios técnicos, de modo a prestarem maior assistência à AIGP de Alvares”, acrescenta Francisco Goes.