Reportagens

Montra de boas práticas no concelho de Monchique

Em Alferce foi criado um campo de demonstração no âmbito da Agenda Transform, do programa Melhor Floresta, coordenado pela Biond.

Ao avançar pelo caminho é possível descortinar medronheiros, sobreiros, eucaliptos e espécies arbustivas na floresta que o ladeia, e, mais à frente, junto às nascentes de água, o terreno está impecavelmente limpo. Do outro lado da linha de água, ergue-se uma cortina vegetal aparentemente impenetrável, num claro contraste com a floresta que o pequeno grupo acaba de percorrer. Fica assim delimitada a fronteira entre o campo de demonstração de Alferce, intervencionado ao longo do último ano no âmbito do programa Melhor Floresta, e os terrenos adjacentes.

O Melhor Floresta pretende ser uma “montra” de boas práticas suscetível de ser demonstrada e replicada um pouco por todo o país, e é uma iniciativa da Biond, a associação das bioindústrias de base florestal, em colaboração com proprietários e entidades locais. “A vertente colaborativa do trabalho com os proprietários e autoridades locais é benéfica do ponto de vista técnico e operacional”, defende António Sousa Macedo, coordenador de programas operacionais da Biond. O Melhor Floresta, liderado pela Biond, aplicou fundos do PRR e visa a criação de campos de demonstração e áreas piloto um pouco por todo o território, envolvendo zonas de floresta abandonada, na maioria dos casos floresta ardida, com diferentes proprietários e onde se demonstra que as boas práticas na gestão podem ser executadas em conjunto e com sucesso para todos os envolvidos.

Em Alferce, o campo de demonstração tem cerca de 50 hectares e inclui terrenos de 15 proprietários. “Em geral, os campos de demonstração da Biond não têm escala de paisagem, rondam os 50 a 70 hectares, ao contrário do que se passa com as áreas piloto”, explica António Sousa Macedo. As diferenças passam também pelo tipo de intervenção demonstrada: enquanto nos campos de demonstração esta é feita sobretudo através da gestão da vegetação, com ações de limpeza e seleção de varas, nas áreas piloto poderá haver ações de rearborização, sempre com diferentes espécies florestais.

“O objetivo é tornar a floresta mais resiliente e preservar a biodiversidade, e não atender apenas às questões da produção”, explica o responsável da Biond. Em todos os casos, há uma aposta no trabalho colaborativo para evitar soluções pensadas numa lógica “top to bottom”, por regra menos eficazes e com menores taxas de aceitação pela população. Em Alferce, o campo de demonstração, que se desenvolve numa localização privilegiada a meia encosta, reuniu esforços da Biond, que desenvolveu as ações recorrendo a meios operacionais da região (a empresa INALLFOREST), a Junta de Freguesia, que desenvolveu um importante trabalho de intermediação com os proprietários, e a Câmara Municipal, que assegurou a limpeza dos caminhos. “Esta zona ardeu em 2003 e 2018, e os proprietários não tiravam rendimento dos terrenos há 20 anos”, conta José Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia, que atribui o estado de abandono em que se encontravam os terrenos ao desalento que se foi instalando entre os proprietários. O facto de a adesão ao Melhor Floresta não implicar custo contribuiu para uma melhor aceitação, admite o autarca. “Aos poucos, agora vão retirando a madeira que ficou no terreno. É o primeiro rendimento que dali tiram em anos”, diz.

E esta não é a única vantagem para a população. As dez famílias com casas dentro da área do campo de demonstração ficam agora mais protegidas em caso de incêndio. “Se hoje viesse um fogo, esta área iria resistir muito mais”, explica José Gonçalves que, além de presidente da Junta, é também proprietário florestal e segundo-comandante dos Bombeiros de Silves.

Também António Sousa Macedo sublinha a maior resiliência ganha pela floresta, bem como o serviço que presta à comunidade. Algo que só é possível através de uma gestão conjunta de vários terrenos. Neste caso, o facto de Alferce estar dentro de uma área de Rede Natura 2000 foi outro aspeto a ter em conta ao longo da intervenção. “Uma floresta não é um jardim”, defende António Sousa Macedo, justificando o aspeto à primeira vista “desarrumado” dos campos em redor. “A ideia é promover uma floresta que seja sustentável em termos económicos, mas também a nível social e ambiental”, diz. “Está um trabalho incrível”, assegura, enquanto percorre a encosta. No entanto, é uma tarefa longe de estar terminada. O programa Melhor Floresta prolonga-se até 2025 e deixará, como em Alferce, áreas de floresta com caráter exemplar. O objetivo, conta António Sousa Macedo “é que os proprietários ganhem motivação para continuar a fazer este trabalho e replicar o que se fez aqui noutros terrenos”.

Artigo publicado originalmente na revista n.º 13, de março de 2024, que pode ler na íntegra e descarregar aqui.