Reportagens

Plantações de Eucalipto têm efeito benéfico no solo

A menor erosão e a maior retenção de humidade e de matéria orgânica são aliadas da qualidade e fertilidade do solo.

A silvicultura é cada vez mais vista como uma prática determinante para a saúde do solo e, nas últimas décadas, a plantação de nova floresta tem vindo a contribuir para o enriquecimento de solos degradados.

O crescimento das árvores e restantes plantas ajuda a evitar a erosão e a compactação do terreno e, ao longo do tempo, as raízes das várias espécies aumentam a capacidade de retenção de água e nutrientes. Além do mais, as árvores vão fomentar a acumulação de matéria orgânica e nutrientes, cuja reciclagem pela biota (o conjunto de seres vivos) presente no solo vai transformar o chão da floresta num imenso reservatório de carbono. E, neste ciclo, também as florestas plantadas bem geridas, de acordo com as condições do local, desempenham um papel fundamental. Até porque, sem estas, a área florestal em Portugal seria muito reduzida: a chamada floresta nativa ou primária não atinge sequer 1% da área total nacional de floresta.

Expansão da área florestal

Os números do mais recente Inventário Florestal Nacional (IFN6) indicam um crescimento de área arborizada de cerca de 65% – 1,26 milhões de hectares – entre 1902 e 2015, uma variação que se deu muito por via das florestas plantadas. No início do século XX, a floresta portuguesa representava menos de 18% do território nacional, e hoje ocupa 36%, sendo a principal ocupação do solo. Valores que colocam o nosso país acima da média mundial, que se situa nos 30%, e a contraciclo com o resto do planeta, onde, nos últimos 100 anos, as florestas regrediram cerca de 20%.

Em Portugal, este crescimento – primeiro assente no pinheiro-bravo e, mais recentemente, no eucalipto – teve por base um misto de medidas estatais e económicas a nível nacional e internacional. Logo em 1954, a criação do Fundo de Fomento Florestal incrementou a florestação dos terrenos baldios, o que, em conjunto com a evolução da indústria da celulose no país, veio “influenciar de forma determinante a expansão da cultura do eucalipto em Portugal”, refere Armando Goes, engenheiro silvicultor reformado e consultor florestal da The Navigator Company. Num curto espaço de tempo, a unidade de Cacia passou a usar madeira de eucalipto (1957), foi inaugurada a fábrica do Caima, em Constância (1960), a que se seguiram a abertura da Socel (1964) e da Celbi (1967), ambas na Figueira da Foz. Simultaneamente, a entrada do País na EFTA – Associação Europeia do Comércio Livre, implicou a liberalização do comércio de cereais, com uma redução significativa na área usada para a cultura cerealífera nacional.

O eucalipto e a melhoria do solo

Para Armando Goes, esta conjugação de fatores explica, em parte, o aumento da presença da floresta de eucalipto. Muitas das novas plantações vieram ocupar os solos previamente destinados aos cereais de sequeiro que, como lembra o consultor da Navigator, apresentavam uma camada arável limitada (de cerca de 20 cm) e uma reduzida quantidade de matéria orgânica. “O que aconteceu 50 anos depois a estas terras, com a utilização florestal, foi que, na esmagadora maioria dos casos, o solo teve uma melhoria significativa, nomeadamente nestes aspetos do aumento da camada arável e teor de matéria orgânica”, explica.

O que deita por terra o mito que associa o eucalipto ao empobrecimento dos solos. A este propósito, Armando Goes cita o investigador João Santos Pereira e o seu livro Futuro da Floresta em Portugal. “Há várias décadas que se reconvertem em Portugal antigos eucaliptais em novas áreas florestais e/ou agrícolas. Um dos indicadores mais referenciados é a presença significativa de matéria orgânica no solo, que, naturalmente, cria condições muito favoráveis para as novas culturas”, conclui Armando Goes, que sublinha ainda a importância do eucaliptal para a fixação de carbono no solo, garantida, entre outros fatores, pelo sistema radicular das árvores, que permanece no terreno após a exploração.

As árvores fomentam a acumulação de matéria orgânica e nutrientes no solo.

São várias as características que explicam o efeito benéfico das florestas plantadas de eucalipto para o solo. Desde logo, porque as árvores protegem o chão da floresta da ação direta da chuva e do sol, contribuindo para uma menor erosão e menores níveis de evaporação. Além disso, como é referido em “As plantações de eucalipto e os recursos naturais em Portugal: avanços recentes e desafios para o futuro”, um artigo científico assinado por investigadores do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel (Laboratório de I&D detido pela The Navigator Company, Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa, através do Instituto Superior de Agronomia), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Instituto Superior de Agronomia, tanto a biomassa florestal que se acumula no terreno, como o sistema radicular dos ciclos anteriores vão contribuir para o aumento dos níveis de matéria orgânica, para uma maior diversidade de espécies do sub-bosque e para um melhor controlo da vegetação espontânea. As folhas de eucalipto, em particular, desempenham um papel importante na fertilidade dos solos, já que “estão entre os componentes com maior conteúdo em nutrientes”.

“A manutenção de resíduos no solo aumenta o teor de matéria orgânica, e se não forem os micróbios a degradar esta matéria e transformá-la de novo em elementos disponíveis para as plantas, a matéria orgânica não cumpre o seu papel em termos nutricionais”, explica Isabel Brito, professora auxiliar e investigadora da Universidade de Évora, especializada em microbiologia do solo. Razão por que é tão importante não mobilizar os solos.

Isso “garante a preservação dos habitats para os vários tipos de micróbios e a manutenção dos vários tipos de porosidade, que são fundamentais para a circulação da água e do ar no solo”, refere a investigadora. “A mobilização homogeneíza tudo, quebra os micélios dos fungos, nomeadamente dos fungos micorrízicos, que são fundamentais para as culturas e constituem um reservatório de carbono muito importante do solo”, alerta.

Biofertilizantes da cadeia de valor florestal

Um dos 18 projetos desenvolvidos pela Navigator no âmbito da Agenda Mobilizadora Transform – que envolve 56 entidades empenhadas em contribuir para uma economia mais resiliente e hipocarbónica, através da transformação digital das cadeias de valor florestais, da promoção de boas práticas de gestão florestal e do desenvolvimento de iniciativas de economia circular no setor – diz respeito à criação de corretores de solo a partir de resíduos da indústria da pasta e do papel, mais concretamente de cinzas e lamas biológicas.

Um dos 18 projetos desenvolvidos pela Navigator, no âmbito da Agenda Mobilizadora Transform, diz respeito à criação de corretores de solo a partir de resíduos da indústria da pasta e do papel, mais concretamente de cinzas e lamas biológicas.

Como refere Mário Carvalho, antigo professor da Universidade de Évora e atual consultor, as lamas contêm azoto e as cinzas são ricas em fósforo, potássio e magnésio – nutrientes que frequentemente são deficitários no solo. “A mistura das duas tem uma composição muito equilibrada do ponto de vista das necessidades das plantas”, explica.

A acidez é o primeiro problema da fertilidade dos solos portugueses. “Portugal tem cerca de 87% de solos ácidos que, por regra, estão associados a questões de toxicidade – seja de alumínio, seja de manganês. A toxicidade de manganês corrige-se com a aplicação simultânea de cálcio e magnésio, em que as lamas e as cinzas são ricas”, explica o consultor, para quem a utilização destes subprodutos da indústria tem ainda a vantagem de aumentar o pH do solo. “Após a aplicação, há imediatamente uma resposta que resulta na melhoria do crescimento vegetal”, garante o especialista, sendo que este é apenas o início de um processo com efeitos acumulativos. “Entramos num ciclo positivo de acumulação de fertilidade no solo: mais crescimento vegetal vai aumentar o teor de matéria orgânica, que, por sua vez, leva a mais retenção de água e nutrientes, que garantem um novo aumento do crescimento vegetal”, diz.

A acidez é o primeiro problema da fertilidade dos solos portugueses. A toxicidade de manganês corrige-se com a aplicação simultânea de cálcio e magnésio, em que as lamas e as cinzas são ricas.

A utilização destes subprodutos já é feita em larga escala, tanto na agricultura como na silvicultura. No entanto, a atual legislação obriga ao seu enterramento após a aplicação, o que implica a mobilização dos solos. “O projeto da Navigator, ao transformar estes subprodutos num adubo ou corretivo, vai retirar a necessidade de incorporar o produto e, assim, pode vir a ser utilizado de uma forma muito mais eficiente, porque não castiga o solo com a necessidade de mobilização”, explica Mário Carvalho. “Por exemplo, a mortalidade dos montados é um problema gravíssimo, e as lamas e as cinzas são um contributo fundamental para recuperar estas áreas. Tenho a experiência prática de explorações em que invertemos completamente o declínio do montado através da utilização destes produtos”, conta. E, também no caso do eucalipto, uma árvore mais resistente à acidez do solo, os ensaios feitos pela Navigator mostram que há efeitos benéficos, seja nas novas plantações, seja em eucaliptais já instalados, refere o especialista.

Artigo publicado originalmente na revista nº 11, de setembro de 2023, que pode descarregar aqui.